Vários desafios cercam a Igreja
nestes dias marcados pela ansiedade coletiva, diluição dos paradigmas sociais e
profunda solidão humana. Para enfrentá-los é preciso refletir, teologizar e
finalmente por a mão no arado. Sem olhar para trás.
Precisamos encarnar a verdade de um
Deus soberano, Senhor da Missão, que jamais poderá ser surpreendido por coisa
alguma e, portanto, absoluto controlador de cada momento da nossa existência.
Ao passo que nos esforçamos para assumir a nossa identidade cristã como sal e
luz, uma comunidade chamada para fazer diferença na terra.
A primeira Missão da Igreja não é
proclamar o evangelho, não é se expandir nem mesmo conquistar a mídia ou
impactar a sociedade. A primeira Missão da Igreja é morrer. Perder os valores
da carne e ser revestida com os valores de Deus. É se “desglorificar” para
glorificar o seu Deus.
Quando perguntaram a George Müller
sobre o segredo do seu ministério, a sua resposta imediata foi: “O segredo
de George Müller é que George Müller morreu já há alguns anos atrás”. É
preciso reafirmar em nossos dias o motivo da nossa existência: a glória de
Jesus, Senhor da Igreja. É tempo de reconhecer que Deus é maior do que nós.
Inquieto-me ao ver uma atual verdade
nas antigas palavras de Cirenius, teólogo bizantino, quando afirmou que “a
Igreja sofrera a tentação de desenvolver a sua personalidade e perder a sua
finalidade. À imagem do primeiro homem, a Igreja também peca quando esquece o
porquê está aqui e imagina ser suficiente apenas o existir. Torna-se assim tal
qual uma linda rosa vermelha... a qual nasce, cresce, murcha e morre em um
campo distante sem por ninguém ser vista, sem a nenhum olhar dar prazer”.
Percebo que vivenciamos a tendência
da errática cristã a qual tenta incluir-se nas bênçãos do evangelho e se auto
excluir de sua prática: a antibíblica vontade de ver a terra arada sem por as
mãos no arado.
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Em meados do 1º século um cristão foi
preso por seu testemunho e fé. Preso pelos Romanos. Este homem foi enviado a
trabalhar em minas de César em uma ilha pouco habitada. Ao fim da sua vida, já
velho, semi-cego e enfermo foi libertado para morrer em algum canto daquela
ilha. Refugiou-se em algumas cavernas. Este cristão orou a Deus e pediu-lhe uma
visão. O nome deste homem é João, a ilha chama-se Patmos e a visão que Deus lhe
deu é o livro de Apocalipse.
No capítulo 5 de Apocalipse lhe é
revelada o que chamo de “A Tríplice Missão”. A missão de Deus está
centrada no verso 1. A missão de Cristo, do verso 5 ao 10 e a missão da Igreja
do verso 11 ao 14.
I - A Missão de Deus é Reinar No
primeiro verso Deus está sentado em um trono. Em sua mão direita segura o livro da História
Humana, e história completa, pois está escrito por dentro e por fora.
Isto quer dizer que os nossos
caminhos, nossas micro-histórias e nossos anseios estão seguros pela mão
direita de um Deus que Reina soberanamente. E Ele está entronizado. Fica claro
que na visão de João a missão de Deus é reinar.
Quando olhamos para a história da
Igreja nos últimos anos em nosso país houve sobressaltos e surpresas.
Entretanto Deus jamais se surpreendeu por coisa alguma, jamais perdeu o
controle, jamais deixou de ser o dono da história, Senhor absoluto de cada
detalhe da existência do universo.
Ronaldo visitou recentemente uma
região próxima a Maraã no coração do Amazonas onde vivem os Kambeba, Kokama e
Miranha. Eram tidos, até pouco tempo atrás, como grupos indígenas ainda não
alcançados pelo evangelho. Tamanha foi minha surpresa ao chegar entre eles e
ver ali a presença de uma forte igreja evangélica, que louva a Deus com fervor
e amor. Procurando os autores daquele trabalho missionário nos apontaram alguns
crentes ribeirinhos, especialmente o Sr. João, como é conhecido. Fui
entrevistá-lo. Pessoa simples, quase iletrado, mas com tremenda paixão pelo
Senhor Jesus. Com sua família vivia em um “flutuante” formado por um cômodo
apenas e, além das redes, possuíam somente uma cadeira e uma panela.
Contaram-me então como, através do escambo com os indígenas, conseguiram lhes
transmitir o evangelho e plantar ali uma forte igreja.
Perguntei-lhe: “Mas como vieram parar
aqui, em região tão distante?”
Ao que respondeu: “viemos ganhar a
vida”.
“E como está a vida?” – lhe
perguntei.
“Vai muito bem. Já plantamos 6
igrejas”.
Aqueles eram missionários sem sustento,
aplausos ou reconhecimento. Eram servos de Jesus que confundiam o ganhar da
vida com o ganhar de almas. Homens que passavam privações profundas para que o
evangelho chegasse até ao final do rio Maraã. O sacrifício necessário rega a
terra e abre as portas para o avanço. Mesmo perante um cenário de prejuízo
social Deus continuou Senhor da História e enviou um ribeirinho a três tribos
indígenas daquela região distante para fazer o impossível acontecer. A
Missão de Deus é reinar.
A partir do verso 2 até o 4 há uma
crise no céu. O livro está na mão de Deus, entretanto está fechado. Em um
contexto judaico livro fechado significa história não resolvida.
E ninguém era digno de abri-lo. De
dar resposta às vidas, às pequenas histórias, à macro-história humana daquele
livro. Um ancião precipita-se e fala a respeito de um Leão. Leão da tribo de
Judá. João alegra-se e procura pelo poderoso Leão, mas encontra apenas um
Cordeiro. E o Cordeiro era
Digno! II - A Missão de Cristo é pagar
o preço.
O centro do ministério de Cristo não
foi sua encarnação nem sua ressurreição. O centro do seu ministério foi sua
morte.
Em suas últimas palavras Ele bradou:
“Está consumado”. Literalmente a expressão grega possui significado mais denso.
“Tetelestai” era o carimbo colocado sobre o documento de compra de um
escravo quando todo o preço já havia sido pago. “Tetelestai” era o registro
legalmente reconhecido de que está pago. O Escravo foi comprado e jamais alguém
poderá cobrar novamente o seu preço.
O que assegura-nos a vitória? Baseado em quê estamos aqui reunidos
falando de um Deus o qual não vemos face a face e de um Cristo que viveu
encarnado entre nós 2.000 anos atrás? No verso 5 o texto nos diz que o
Cordeiro está “de pé”. Tinha aparência de morto, mas está “de pé”. Jesus está Vivo!
E é esta maravilhosa verdade que enche de sentido o Cristianismo e
diferencia a falsa religiosidade da experiência de um encontro com Deus. E
Cristo então, com o seu sangue, compra, no versículo 9, homens de “toda língua,
tribo, povo e nação”. O africano distante, o indígena no meio da mata, o
vizinho ao lado da rua. Jesus pagou o preço por pessoas de todos os segmentos
sociais humanos: “língua” (glosse, classificação lingüística); “tribo”
(file: classificação familiar); “povo” (laos, classificação racial); “nação”
(ethne: classificação étnica). Todos os segmentos sociais.
Entretanto, perante a verdade
universal e irremediável de que o preço foi pago, ainda assim vivenciamos
barreiras pessoais e eclesiásticas que limitam a expansão deste evangelho.
Vejo três grandes perigos, no Brasil,
em nossa presente missiologia:
1º)
Dos resultados substituírem o caráter no perfil do obreiro. O equívoco
da valorização dos frutos em detrimento do coração piedoso e crente. A carnal
tendência humana de definir ação missionária a partir dos resultados e não da
intimidade com Deus.
2º)
Da capacidade humana substituir a procura por dependência de Deus. O
perigo de supervalorizarmos as nossas estruturas no que tange a logística,
conhecimento, preparo acadêmico e capacitação em detrimento da prática de
viver, trabalhar e sonhar tendo sobretudo no coração a incrível convicção de
que nós dependemos de Deus.
3º)
Das estratégias certeiras substituírem o compromisso com a Palavra no
crescimento da Igreja e expansão da obra missionária. Nem tudo que dá certo
é necessariamente bíblico e íntegro. Por vezes somos levados a escolher entre
um rápido crescimento e um caminho mais lento, porém íntegro. Que Deus nos
abençoe nestes momentos e façamos a escolha da integridade.
No
verso 10 em diante encontramos a multidão dos santos. E diziam: “Digno é o
Cordeiro de receber...”. E percebemos nos versos 11 e 14 que Ele os receberá da
multidão dos santos, da Sua Igreja. Encontramos aí o cerne da nossa missão.
III
- A Missão da Igreja é Servir ao Cordeiro.
Há
7 elementos que o Cordeiro, Jesus, receberá. A pergunta é: quem os dará? De
quem Ele receberá? Dr. Russel Shedd chamou minha atenção para este texto e há
aqui certamente 3 elementos teocráticos, que o Cordeiro receberá de Deus, e 4
elementos antropomórficos, que o Cordeiro deverá receber da Sua Igreja, cada um
de nós.
O
primeiro é a riqueza (ploton)
e refere-se a nossa riqueza, nosso dinheiro, nosso ouro, prata e reais. Isto
leva-nos a crer que o dinheiro dos santos tem como função prioritária servir ao
Cordeiro Jesus. Como Ele deseja que eu use o meu dinheiro? Esta deve ser uma
pergunta levantada por cada um dos santos.
O
segundo elemento é a sabedoria (sofian)
e aponta para a nossa inteligência humana, capacidade mental de raciocinar e
processar pensamentos. Isto significa que nossa inteligência não possui como
finalidade maior fazer-nos passar no vestibular ou conseguir uma promoção no
emprego, mas sim servir ao Cordeiro em tudo aquilo que for prioritário para o
reino.
O
terceiro elemento é a força (Isxun).
Nossa energia física e nosso suor. Devemos usar nosso corpo e capacidade de
trabalho físico, sobretudo para servir ao Cordeiro Jesus. Nossa musculatura,
saúde e suor devem estar a disposição de Cristo.
O
último elemento aqui registrado é o louvor (eulogian), de ‘logia’, ‘logos’. Não se refere
necessariamente aos nossos cânticos e adoração litúrgica, mas ao nosso louvor
com palavras. Põe nossa atenção naquilo que falamos seja em casa, no trabalho
ou ainda aquilo que murmuramos sem que ninguém ouça. Devemos colocar nossas
palavras a serviço do Cordeiro.
A
Missão da Igreja é Servir ao Cordeiro com tudo aquilo que tem de melhor. É
cumprir os seus desejos mais profundos. E o Cordeiro possui muitos desejos.
Estão relatados na Palavra do Senhor.
Um
deles, entretanto, é ser conhecido por toda a terra, entre todos os povos. Este
foi o seu desejo mais enfático. E um dos únicos que ainda não foi cumprido. Nós nos deixamos levar pelo brilho das
catedrais e pelo calor dos holofotes. E nos esquecemos que o desejo primário do
Cordeiro é que nosso dinheiro, sabedoria, força e louvor sejam usados para
levar o Seu nome e fazê-lo conhecido fora dos nossos templos e programas
eclesiásticos.
Jesus
deseja ser conhecido no sertão Brasileiro, por vezes esquecido. Entre os
indígenas no nosso país onde Missões Evangélicas lutam por décadas, bravamente,
com pouquíssimo apoio eclesiástico e político. Missionários são retirados das
aldeias sem a menor explicação e não há mobilização. Mas quando o novo código
civil ameaçou taxar nossas igrejas vimos um grande levante de irmãos
preocupados. Perdemos a prioridade de Jesus.
Jesus
deseja ser conhecido na África distante e entre os islâmicos mais radicais.
Entre os 2.227 PNAs e as 3.500 línguas sem a Palavra traduzida. Jesus deseja
ser conhecido pelo homem que mora ao seu lado e àqueles que estão no gueto
urbano mais inacessível.
Esta
é uma grande verdade: Jesus deseja ser conhecido e, apesar de sermos mais de 20
milhões de evangélicos neste grande país, termos riquezas, sabedoria, força e
louvor, Ele continua desconhecido em diversos lugares.
Jim
Elliot foi um missionário que atuou com despojo e fervor entre os Auca no
Equador. Piloto de Asas de Socorro foi martirizado pelos indígenas daquela
tribo em 1956. Apesar do eco de seu ministério muitos poderiam julgá-lo como
alguém que jogou fora toda sua vida deixando para trás esposa e filhos. Mas o
código de vida do crente se baseia em outros critérios. Fala sobre perder a
vida, lançar a semente mesmo de noite, andar a segunda milha e olhar além do
horizonte. Em uma de suas cartas a irmãos na América Jim Elliot afirmou: “Viva
de tal forma que, quando chegar a hora da morte, nada tenha a fazer senão
morrer”.
Que
Deus nos ajude a cumprir a nossa missão.